Fórum Mundial da Água: o gato se veste de lebre
Fórum Mundial da Água: o gato se veste de lebre

Por Flávio José Rocha da Silva, no EcoDebate
Comecemos por conhecer um pouco mais sobre a entidade organizadora do evento, o Conselho Mundial da Água (CMA). Esta organização é presidida atualmente pelo brasileiro Benedito Braga, que também é o Secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo. Esta secretaria estadual paulista é a responsável pela Sabesp, órgão que ficou bastante conhecido durante a crise da falta de água nas torneiras de São Paulo há poucos anos e foi acusada por vários especialistas na questão hídrica de não ter investido o necessário na infraestrutura de abastecimento de água para privilegiar os seus acionistas (49% da Sabesp pertence a empresas privadas) em detrimento dos usuários, sendo essa uma das causas da crise.
O CMA afirma em seu site que é financiado por taxas pagas pelos seus membros e doações de governos e organizações internacionais, embora não cite os nomes das organizações doadoras ou a quantia por elas doadas. Entre os membros listados estão governos, grandes ONGs, empresas que controlam a distribuição de água em várias partes do planeta, entre outros. Sabe-se que o Banco Mundial é muito próximo ao Conselho, assim como é de conhecimento público que o Banco Mundial lidera uma campanha internacional pela privatização da água difundindo a ideia de que a esta tem um valor econômico como qualquer outro recurso natural e que a única forma de fazer com que seja acessível a todos é sendo administrada pela iniciativa privada.
Em seus documentos, o CMA prega a busca pela boa gestão da água para alcançar a universalização do saneamento básico. Também externa a preocupação com o que pode acontecer ao setor produtivo caso haja um colapso no acesso a água. Para que uma boa gestão aconteça, recomenda que o setor privado seja parte integrante do sistema de distribuição da água. Sabemos que o setor público não pode gerir todas as demandas da sociedade, mas será a água uma demanda qualquer? Por que então mais de 200 cidades no mundo inteiro que tinham a água distribuída por empresas privadas retomaram o seu controle nos últimos anos, a exemplo de Paris? E o que dizer de cidades nos Estados Unidos, Honduras ou aqui no Brasil que estão em luta para que suas cidades não tenham a distribuição dos seus recursos hídricos privatizados?
A ausência sobre o gasto de água com a irrigação do agronegócio industrial também é notada nos documentos e nas discussões do CMA, sendo que este setor sozinho gasta cerca de 70% da água doce no mundo. Este seria um tópico essencial para ser discutido em Brasília se realmente o CMA estivesse preocupado em preservar os nossos mananciais e promover o acesso a água de qualidade às populações carentes.
Há algo mais a se ressaltar sobre o Conselho Mundial da Água e os fóruns por ele organizados. Eles nunca mencionam a água como um direito humano que deve ser garantido pelo Estado. Por isso é preciso tomar muito cuidado com a promessa da pretensa universalização do saneamento básico preconizada por estas organizações. Não por coincidência, o governo Temer, através do BNDES, está forçando estados a privatizarem as suas companhias de distribuição de água com a desculpa de que isto aliviará as contas públicas estaduais e que as empresas compradoras melhorarão o serviço de abastecimento nestes estados. O Rio de Janeiro foi o primeiro a privatizar a sua companhia, a CEDAE, mesmo sendo ela uma empresa lucrativa.
Sabendo que o gato pode vestir uma fantasia de lebre para encantar o público, movimentos sociais estarão organizando, nas mesmas datas, o Fórum Alternativo Mundial da Água. Será uma forma de confrontar o discurso neoliberal, lutar contra a privatização do nosso patrimônio hídrico e mostrar que o miado pode até ser diferente, mas o gato sempre vai ser o gato, independente da fantasia que esteja vestindo.
Flávio José Rocha da Silva é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP e administra a página OPA -Observatório da Privatização da Água – no Facebook
http://port.pravda.ru/busines/13-07-2017/43626-forum_mundial_agua-0/
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