Direitos Humanos - Anna Claudia Magalhães
Eu não sei porque a gente se assustou tanto com Charllotesville. Com pessoas em prol de uma supremacia branca, com neonazistas, com uma morte, com o ódio, com ideologias racistas escancaradas. O racismo no Brasil também é escancarado, só não vê quem não quer. São coisas diferentes, claro, porque foram racismos construídos de formas diferentes, mas, aqui também, algumas etnias são inferiorizadas e, mais que isso, são mortas em decorrência da discriminação. Nós não temos a Ku Kux Klan, mas temos o Estado, que apoia e financia a violência contra negros e indígenas.
Não saímos gritando nas ruas que essas vidas não importam e que são inferiores, mas somos complacentes com o genocídio da população negra e indígena, desde o descobrimento até os dias atuais, além de, inclusive, encontrarmos motivos para que não exista nenhum tipo de justiça social e cumprimento das leis de forma igualitária quando se trata dessas etnias marginalizadas ao longo da história. O Rio de Janeiro, hoje, só não vive uma guerra, porque em uma guerra há a intervenção de órgãos de direitos humanos impedindo que pessoas sejam mortas a esmo. Nem isso existe no Rio de Janeiro, o que para nós é algo normal.
A incoerência está aí, como é que pode assustar uma manifestação que fere os direitos de humanidade, sendo que nós, brasileiros, enxergamos os direitos humanos com descaso? A humanidade de população de periferia, em sua maioria negra, e de populações indígenas não interessa a ninguém, vide o extermínio que vem acontecendo em comunidades do Rio de Janeiro e em terras indígenas sem nenhuma comoção.
Há mais ou menos 10 dias, a favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, passa por um inferno na terra depois de um policial civil ter sido assassinado. Vários moradores foram mortos, inclusive pessoas que não tinham ligação com o crime organizado, e os demais habitantes estão desesperados. O Estado conclui que as atitudes criminosas que acontecem nessas comunidades (que, como é sabido por todos, não envolvem apenas os seus moradores) devem ser combatidas colocando em risco as vidas que habitam esse local e as próprias autoridades treinadas para exterminar essas vidas. O policial no Brasil é treinado para enxergar qualquer negro como suspeito e isso não é segredo para ninguém.
A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras, essa é uma informação do Atlas da Violência de 2017 e não é uma coincidência. Esses dias li que os alemães não toleram mais atitudes nazistas porque sabem que o holocausto teve apoio da população e eles têm vergonha disso. Nós, brasileiros, não temos nem consciência e nem vergonha que a justiça funciona da forma que funciona, é por isso que alguns corpos continuam sendo só números nesse país. A comoção não pode ser seletiva.
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